Nada como o futuro!

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Assunto velho.

A praça Heróis da Força Expedicionária, em Santana, é, ou era, conhecida como o local onde a gurizada da Zona Norte se alistava no exército. Passei por isso em 2001, e tive que voltar algumas vezes em função da carteira de reservista. A primeira vez que fui tinha sido quatro anos antes, quando uma van da rádio Mix fm encostou lá, levando todo o Charlie Brown Jr. em um sábado à tarde de sol forte e pouco movimento, garantido apenas por um Pão de Açúcar. O Chorão foi o primeiro que encontrei. Sorridente, conversava à vontade com duas garotas, a quem perguntava se poderia ficar com o isqueiro de uma delas. Isso não impediu que me atendesse muito bem, como o resto da banda que, em pé, fez com todos nós três fãs que foram vê-los. Com o único CD original assinado e máquina fotográfica pifada, me despedi de todos, quando Chorão me agradeceu pela presença. Mandei um “que é isso, vocês merecem”, num tom meio “de nada”. Espontaneidade não é o meu forte.

Foi o começo de uma infinidade de encontros, fotos e autógrafos, ocorridos ao longo do próximo ano e meio, mais ou menos. Já era reconhecido pelo baterista. Vi o Chorão comendo a alma de um funcionário da rádio Brasil 2000, devido a algum problema com os ingressos de cortesia de um show que fariam no Palace. Cheguei a receber, de uma amiga que queria fundar o fã-clube, um número de telefone da casa dele, nunca confirmado se era verdadeiro ou não.

Perdi o interesse quando lançaram o segundo disco. Muita referência à maconha, muito hip hop, aquele papo de “fogo na bomba”, que também me afastou do Raimundos. Mas nunca cheguei a odiar. Aquele moleque viciado em rádio, que literalmente dormia na calçada fosse pra chegar cedo em uma fila de show, fosse pra esperar ônibus voltar a rodar, nunca deixou de existir e de gostar das bandas que o levaram isso. Ainda que à distância, continuei acompanhando a carreira do Charlie Brown Jr. Nesses 16 anos que se seguiram ao primeiro encontro, a popularidade deles só aumentou. Ainda que com mudanças na formação, lançaram quase que um disco por ano. Não-críticos-literários ressaltaram a todo momento que o Chorão não era poeta vivo, muito menos morto. Verdade, não é pra tanto. Mas ele, sim, era um excelente letrista, estava à altura dos excelentes músicos com quem tocou. O lance deles não era revolucionar a música mundial. A banda enviava demos para saber a opinião das rádios, se achavam que o trabalho era viável, se precisava de mais refrão. Mas nunca perderam o som característico. Eram, sim, populares – com qualidade. Considerar o trabalho deles menor por não ser próximo à Legião Urbana ou não fazer referência à MPB é ser insensível à competência. O que não é novidade, nem raro, infelizmente. Pelo menos ficou no olho roxo do Marcelo Camelo o gesto de repúdio a esse tipo de pensamento.

Doeu, sim, quando no ônibus lotado às seis da manhã li a mensagem da minha irmã contando que o Chorão tinha morrido. Foi um dia difícil, trabalhando a alguns minutos de onde ele tinha sido encontrado. Recebendo informações de amigos que trabalham em hotel em que ele, nos últimos dias, pedia para mudar de quarto por causa de “forças ocultas” que o perseguiam. Tendo que passar, no caminho do almoço, em frente ao IML para onde o corpo dele foi. Apareceu inclusive a oportunidade de vê-lo na pedra, antes de ir no caixão para Santos. Me poupei. Nem eu, nem ele, nem ninguém merecia isso.

O cara era um talento, sempre acompanhado por outros talentos. Vai fazer falta.