Nada como o futuro!

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Moacyr Scliar

“Meu pai nunca tinha visto uma banana até chegar ao Brasil. Depois de uma longa viagem desembarcou no cais, em Porto Alegre, um menino tão magrinho que até dava pena olhá-lo. Um homem se apiedou do garoto e ofereceu-lhe uma banana. Meu pai suspeitou que se tratasse de uma coisa para comer, mas não sabia como fazê-lo – e não podia perguntar porque não falava português. Finalmente, descobriu que dava para descascar a banana. Fez isso e encontrou algo que identificou como o caroço da fruta. Esse “caroço” ele jogou fora, e comeu o resto, ou seja, a casca.” (pg. 29)

 

“Para isto servem as palavras, para estabelecer laços entre pessoas – e para criar beleza. Pelo que a elas devemos ser eternamente gratos.” (pg. 272)

 

Trechos extraídos de O Texto, ou: a Vida – Uma trajetória literária

 


Henry Miller até pisando na bola é genial

Acabei de ler Plexus, segunda parte da trilogia chamada “crucificação rosada”, um tijolo que dificulta a defesa da graça que o ato de ler tem. É um monumento ao desperdício de tempo, que te faz duvidar se o Sexus, a primeira parte, era tão bom quanto pareceu.

Era sim. Não precisa confiar na memória, os trechos selecionados a seguir conseguem salvar a lavoura, são pérolas que salvam a reputação do autor, ajudam a manter a disposição de conhecer  a terceira parte da obra, Nexus, e o Trópico de Câncer, que dizem ser o melhor de Henry Miller. Se esses 2 se comportarem bem, o Big Sur  ganha uma chance.

Pensando bem, precisa confiar na memória sim: as citações estão entre as primeiras 150 das 670 páginas.

Pg 47 – “De repente, fica claro para você que, quando Deus criou o mudo, Ele não o abandonou para ir sentar-se em contemplação – em algum lugar do limbo. Deus fez o mundo e nele entrou: eis o significado da criação.”

Pg  52 – “Sabe, é fácil ir para o trabalho todo dia. O difícil é permanecer livre.”

Pg 159 – “Mas havia alguma coisa em mim, alguma coisa perversa, que me impedia de revelar minha identidade essencial. Essa ‘perversidade’ sempre se manifestava da seguinte maneira: ‘Revela teu verdadeiro eu e eles te mutilarão’. E ‘eles’ não eram apenas os meus amigos, mas o mundo.”

PS: A edição é da Companhia das Letras feita em 2005.


5 anos

               De camisa vermelha e boné preto, o cidadão chega na família que estava atrás de mim e da minha senhora e começa uma longa história, que invariavelmente terminava no pedido dos 10 reais que faltam para comprar a passagem para a cidade dele. Era o segundo caso seguido desde que chegamos na rodoviária do Tietê. Nem vi como terminou com a família. Só sei que terminou porque chegou a nossa vez.

          – Com licença, por favor…

          Antes que começasse, cortei:

          – Se é dinheiro, não rola.

          Só podia ser $. Ofendido:

          – É, não tem mais ninguém humilde aqui.

          – Tem gente humilde querendo conversar.

          E era verdade, estava divertido o papo com a Ana. Apesar da cena, conseguimos comprar a volta no domingo, dia 15, antes de embarcarmos para Camburi na sexta, dia 13.

          3 horas, tempo de percurso segundo a equipe da pousada, passariam rápido, ao contrário da eternidade que durou a torcida para que ninguém com necessidades especiais embarcasse naquele ônibus, pois estávamos no lugar mais legal, o da frente, aquele com a visão mais ampla da estrada.

          Vitória, o lugar era nosso.

          Como previsto, passou rápido; o problema foram as outras 2 horas que vieram depois e a descoberta de que existem 3 paradas em Camburi, nenhuma delas o terminal rodoviário no qual deveríamos descer, já que não existe um. Uma ligação para a pousada e outros passageiros nos ajudaram a ignorar o gps, que indicou o ponto errado. Finalmente chegamos.

          Depois de um café da manhã “como deve ser, de uma hora de duração”, (Carlos Fuentes sabe das coisas), fomos à praia de Camburi no sábado. Calma, sem grandes ondas, exigia respeito: fomos sem relógio, celular e pressa. Resolvemos depois de descansar bastante explorar a pequena faixa de areia. Depois de ir ao extremo mais próximo ao morro e às pedras, onde a água era ainda mais transparente e menos fria, fomos à outra ponta, onde há um rio. Não muito fundo, várias pessoas e alguns cachorros brincavam ali. Entramos também, mas para chegar à praia que havia na outra margem do rio, Camburizinho. Ali a Ana teve a primeira aula de mergulho – bem sucedida, por sinal. No caminho de volta para o rio reencontramos um cachorro que, por uma carícia, tinha virado nossa companhia. A princípio indo na frente e nos aguardando para voltar a avançar, parou à beira do rio. A Ana perdeu o medo e nojo do fato de ele ter sarna e também o tocou, quando ele fechou os olhos e apoiou a cabeça na perna dela. Aí derretemos de vez. Para que não nos seguisse mais (ele era já bem velho), pedi a ela que comprasse alguma coisa pra ele comer. Um cachorro quente o deixou ocupado enquanto cruzávamos o rio de volta para o nosso quarto.

          Já havia passado a hora de comer de novo. Almoço/janta meia boca, compensados por um sorvete do bom e uma parada no bar que homenageava a Vila Madalena, a começar pelo uso do nome . Atendimento rápido, vantagem de sermos as únicas pessoas no lugar além do músico, do garçom e da dona. Pra fechar, tererê pra Ana, livros pela metade do preço em uma das duas livrarias que encontramos na minúscula avenida principal.

          O domingo foi bem preguiçoso, com um rápido “oi” pra Boiçucanga, praia vizinha, onde realmente há um terminal rodoviário, de onde demos “tchau” pro litoral paulista.

          Foi bem assim que comemoramos 5 anos de parceria, completados no dia da ida. Tão bom, divertido e importante do que quando vamos ao cinema, por exemplo. Não falta sensibilidade a ponto de ignorar a diferença entre esses dois lugares. É que, uma vez com ela, todo lugar é salão para a festa que começou em 2007, sem previsão pra terminar.


Meta pra 2012

            Embora ainda sob os efeitos das festas de fim de ano, não me escapou a constatação do quanto a energia positiva  tem sido ameaçada pelos tempos modernos. O esoterismo conseguiu se adaptar, o computador virou amigo dos mapas astrais e de todas as mensagens que os astros têm pra nos mandar. E quanto às simpatias?

            Réveillon na Paulista reuniu novamente dois milhões de pessoas confinadas em uma avenida semelhante a um corredor. Elas não puderam passar do início da avenida, na altura do metrô Brigadeiro, com garrafas de qualquer tipo, alimento, ou mesmo portar guarda-chuva, apesar da garoa que caia desde o final da tarde. Além da cor das roupas, não tiveram nenhuma possibilidade de trabalhar na superstição. É um ponto turístico onde, ao contrário de todas as outras opções, não se pode, ao iniciar o ano, colocar uma nota de dez reais embaixo do prato de nhoque. Ou consumir as doze colheres de lentilha. Guardar as sementes das uvas ou romãs consumidas então, nem pensar. Desnecessário falar sobre a impossibilidade de saltar ondas. Todos esses costumes tem que ser realizados à meia noite, a burocracia cósmica é bastante rigorosa, como se sabe: determina hora, lugar, data, quantidade, peso, cor, se a água é parada, se é corrente, se pode ser a da torneira, se tem que ser rio. Descuidar de qualquer um dos itens, não tem perdão, não tem segunda chance, é fim da fila. Assim, não tem como as pessoas que passam a virada na principal avenida da cidade fazerem isso antes de sair ou depois que chegarem em casa.

            Pode-se concluir disso tudo que estar no primeiro dia de janeiro na Paulista dá azar ou, na melhor das hipóteses, não dá tanta sorte quanto passar em qualquer outro lugar. Obviamente, em qualquer circunstância, é preferível estar em frente ao mar do que em frente ao Conjunto Nacional. Mas há uma saída que nos salve desse clichê e melhore nossas chances neste ano: podemos inventar superstições que nos ponham em pé de igualdade energético – karmático em relação aos locais tradicionais de onde passar a virada. De repente pode ser pular sete faixas de pedestre. Contar doze sinais verdes no semáforo – caso ele funcione enquanto a avenida está fechada.

Pois bem, a missão está dada, temos (quase) um ano pra pensar nisso. Eis uma meta pra 2012.


Remissão de um preconceito

 

Chegou o frio! Todo mundo mais bem vestido, e uma coisa que observei nestes anos de vida é que quando a elegância entra pela porta, a higiene sai pela janela; quem gosta do primeiro não liga muito pro segundo. Não sei, pode ser influência da faculdade. Lá tem muitos fumantes elegantes, e ninguém é mais amigo da sujeira do que fumante. Eles simplesmente não são capazes de identificar uma lata de lixo. Uma vez foi divulgado um estudo que afirmava que cada cigarro aceso representava 15 minutos a menos na vida do carburante. Não questiono a ciência, não vou esquecer tão cedo o trauma causado na turma pela professora de Literatura Brasileira IV, que afirmou não acreditar na ciência (um silêncio de pavor, que trabalha por outros meios além do grito, não sumiu até que ela se explicasse). Enfim, cada cigarro aceso representa na verdade uma contagem regressiva para a calçada ou a rua receber mais um toco fedido de lixo. Perseguem muito o povo em função da saúde, que isso faz mal, que o custo que isso representa pro governo em termos de medicação, leitos hospitalares, auxílio-doença pode ser evitado… Ainda acho que pegar dinheiro do governo por vias legais, embora tétricas, é uma coisa a ser feita sem medida. Outra associação histórica reforça esse ponto de vista: o desgaste consentido do bem estar físico do individuo está diretamente ligado a histórias de vida interessantes e a romances, poesias, filmes, quadros inesquecíveis. Em outras palavras, cuidar do espaço público em vez da vida alheia faz com que todo mundo saia ganhando.

Mas não é só de imundície e de ilusão de que Halls salva hálito de nicotina que vivem os fumantes; há, principalmente, muito companheirismo envolvido. Reparem, uma pessoa pode morrer sem comer, jamais sem fumar. Um fumante simplesmente não nega cigarro ou o uso de seu isqueiro a ninguém. Na Av. Paulista isso é bem visível, é frequente a visão de um engravatado dar e acender a nicotina a qualquer um, seja morador de rua, hippie ou outro engravatado. Nem sexo, nem condição social influenciam a doação de cigarro. Talvez os fumantes sejam o único exemplo de que a solidariedade realmente desinteressada existe nos dias hoje. Ponto pra eles.


Década mais triste da história da música?

Em uma conversa recente que tive com minha respectiva, que já havia debatido o mesmo tema com seu irmão, um futuro pra lá de sombrio foi desenhado diante nós: um verdadeiro apagão de grandes nomes da música mundial estaria para acontecer. Logo o assunto virou um tabu, mudamos o rumo da prosa, mas desde então não foi possível pensar em outra coisa.

Tudo começou com o Scorpions anunciando sua turnê de despedida. Então, veio o New Order que acaba sem turnê, Phil Collins e seu problemas cardíaco e com a inveja alheia; segue o Judas Prieste sua nota comunicando o fim das grandes turnês mundiais. Na RoadieCrew deste mês (maio/2011), David Coverdale, proprietário do Whitesnake, diz que deve continuar com grandes shows por mais três anos. Levando o raciocínioadiante e olhando já para o biênio 2019-2020, até lá deverão também anunciar suas REAISturnês de despedida e/ou aposentadoria, AC/DC, DeepPurple, Motörhead,Slayer, Rush, Aerosmith, Ozzy Osbourne, BadReligion, Iron Maiden, Kiss, Cult, Helloween, Paradise Lost, Rolling Stones,Roxette, Pixies, qualquer formação do Van Halen, do Accept, do Queen, do Who, do Journey, Bob Dylan,Carlos Santana, Bruce Springsteen,Joan Jett, Morrissey, Sting e o Police, Ian Anderson e o Jethro Tull, Garth Brooks, Alice Cooper, Mark Knopfler, Paul McCartney, Jeff Beck, Rod Stewart, John Fogerty, Roger Waters, David Gilmour. No Brasil, deverão fazer algo parecido Roberto Carlos, Ney Matogrosso, Milionário e José Rico, João Gilberto, Caetano Veloso, Zé Ramalho, Gilberto Gil¹’².

Independentemente de gostar deles ou não, são artistas influentes até para motivar assunto. A tristeza se junta à incerteza, e elas formamum time com o medo quando notamos que AvengedSevenfold é o que temos de novo no Heavy Metalmais mainstrean ou que Marcelo Camelo deve ocupar lugar de destaque na mpb (os requisitos “obra gradativamente chata e pretensiosa” e “entrevista sem pé nem cabeça” são requisitos fundamentais para o posto já preenchidos por ele. Só falta investir na consciência social e lançar músicas falando mal do governo).

Antes que o pessimismo tomasse conta de vez, é necessário trazer o assunto à tona, dar um contorno ao problema pra saber qual o tamanho do monstro a ser enfrentado.

Conclusão: dos artistas de quem gosto, aprendi a venerá-los por tornarem meu mundo melhor. Assim, colocar suas obras pra tocar, pedir uma pizza e juntar as três, quatro melhores companhias possíveis – a saber, descrição de festa perfeita–deve acompanhar o fim de suas jornadas. Melhor jeito de manter a coerência, fazer justiça e salvar a década, não?

Notas:

1-    Muitos exemplos deixaram de ser citados em prol do fim do presente artigo.

2-    Pensei em nomes como Metallica, Megadeth e Capital Inicial; eles devem durar alguma coisa além do limite estabelecido, o que justifica sua exclusão.


A voz e a alma

A enxurrada de shows internacionais começa a gerar subgêneros de concertos. Eu e a minha senhora vamos nos especializar em um: no de “a voz e a alma”. Dia 30/06, temos o Ed Kowalczyk, a voz e a alma do Live. Dia 12/06, Scott Stapp, a voz e alma do Creed. Finalmente, tivemos ontem John Fogerty, o você-sabe-o-quê do Creendence Clearwater Revival.

Esse gênero tende a ser massacrado, puro preconceito. Sempre aparece nas resenhas e comentários sobre os eventos o fato de serem caça-níqueis, de os músicos viverem à sombra de suas bandas que os projetaram, todas essas verdades. Ainda mais depois de ontem, 08/05, fico me perguntando o quanto isso pode tornar os eventos menos interessantes.

Desinteressante seria esperar pelas bandas acima citadas. A vinda do Ed Kowalczyk confirma um mau presságio surgido no facebook do Live tempos atrás, em que a formação da banda mantinha um ponto de interrogação no campo em que deveria constar o nome do vocalista, enquanto o site oficial anunca uma pausa nas atividades do grupo sem indicar nenhum esboço de previsão de retorno.

Já no caso do Scott Stapp, as vantagens abrangem questões econômicas: com toda certeza seria umas 20 vezes mais caro ver o próprio Creed, não esquecendo a disputa medieval que seria para conseguir ingressos. E o Full Circle, último álbum de retorno da banda, é beem dispensável.

Em relação ao John Fogerty, por sua vez, deixa pra lá. O que dizer de uma banda que se separou em 1972 e se reuniu uma vez desde então, em 1995? Até ontem, estávamos acostumados com Creedence Clearwater Revisted, uma semi-banda cover que não deve ser tão bem recebida novamente por aqui. Aqui, como no caso de Ed Kowalczyk, as boas músicas das respectivas carreiras solo tornam perdoáveis eventuais trocas de músicas a princípio indispensáveis – o que não aconteceu ontem; nem Long As I Can See the Light ficou de fora.

Antes que a síndrome de vira-lata ataque novamente, não perca as vantagens que esse tipo de oportunidade oferece. Se ainda assim achar que a pilantragem corre solta, que existe uma conspiração a fim de abusar do seu suado dinheirinho, pense que, como sempre, poderia ser pior: depois do INXS, o Blind Melon, aquela banda do “No Rain”, toca no dia 29/07 em Buenos Aires. Justamente eles que, além de música boa,  não tem voz nem alma: Michael Hutchence e Shannon Hoon, vocalistas originais, morreram respectivamente em 1995 e 1997.


Stanislaw Ponte Preta e o conselho sentimental

No assunto “relacionamentos” normal é ter pouco a adicionar, sendo todos doutores em um assunto tão sem pé nem cabeça.

Entretanto, quando algo se destaca, merece ser compartilhado. Abaixo está a contribuição de Stanislaw Ponte Preta, um antepassado do José Simão.  Vem de 1961 as seguintes verdades, seguidas por uma conclusão aberta a palpites, digamos assim. Não caia na armadilha de acreditar que o primeiro parágrafo é suficiente senão você não vai me entender.

O texto foi tirado do livro Tia Zulmira e Eu.

MULHER PARA O COTIDIANO

  Quem pede conselho sobre mulher está – positivamente – pedindo um conselho inútil. Isto não foi descoberta nossa, embora tivéssemos chegado à mesma conclusão na segunda namorada (sempre fomos muito precoce). A esta conclusão, em não sendo a pessoa completamente desligada da tomada, é fácil de se chegar, como é fácil descobrir com o tempo que existem mulheres que amam sem o menor sentimento de fidelidade, mulheres que são fiéis sem amar e, para complicar julgamentos, nenhuma mulher é igual com dois homens diferentes, nem nenhum homem ama igual duas mulheres.

  Assim, não sabemos por que tem gente que pede conselho sobre mulher. Mas o fato é que tem gente que pede. Um distinto escreve para a coluna “Da Correspondência”, mantida pelo brilhante colunista Stanislaw Ponte Preta, e não somente brilhante como também cheio de outras virtudes, pessoa que, por coincidência, é a mesma que ora escreve estas mal traçadas; um distinto escreve – repetimos – para pedir inteiro anonimato (embora coloque nome e endereço na carta, a título de confiança) e pedir também uma opinião sobre a mulher que ama, que é infiel e que – diz ele – apesar disso, tem por ele muito amor.

   Noutro dia, um outro contou a mesma história e na mesma base do “o que devo de fazer”. Explicamos a ele que mulher que ama só trai por se sentir diminuída, por incerteza ou por não confiar em si mesma diante do seu amor. Logo, a traidora é muito mais coitada do que o traído. Claro, existe muita sutileza envolvendo a questão e é preciso que o cavalheiro não seja burro para poder morar no assunto.

  Difícil dar conselho. Difícil e inútil. Em todo caso, como o leitor pediu, não custa nada ajudar, contando esta historinha:

  Ontem, quando descemos à garagem do prédio para tomar o carro, mal entramos no mesmo, notamos que o desgraçado não pegava. Por mais que apertássemos o arranque, este virava, virava e o carro neca. O porteiro – um português com veleidades de mecânico – ajudou no que pôde. Levantamos o capô, puxamos fios, limpamos velas… e nada. Afinal, depois de quase duas horas de luta, o carro – sem maiores explicações – pegou. Nem por isto ficamos menos aborrecido, pois o enguiço nos fez perder diversos compromisso. Foi então que, para nos consolar, o português coçou a cabeça e sentenciou: “É, doutor. Carro é pra quuem tem dois”.

  Pois está aí amigo. Use esta filosofia com mulher. Quando uma enguiçar, você vai na outra.


Obrigado Lady Gaga!!

A ligação da referida com a música do capeta não é uma novidade. Começou no nome (Gaga de Radio Ga Ga do Queen) e veio vindo através de fotos que ela tem postado em seu perfil no Twitter com um time de respeito: Paul Stanley, Charlie sei lá o quê, baterista do Anthrax, Alice Cooper (aliás, a ver se há algum fundo de verdade no que o Daily Mail publicou: “Gaga is such a huge fan of the rock legend that she’s asked for a cameo role in one of his famous shows in May, when they will both be in Brazil.), Nicko McBrain, e ainda tem o Brian May tocando no novo disco.

Referências de respeito, nada óbvias, o que já é assustador para quem já foi aclamada como a nova Madonna.  Agora ela divulga, no mesmo dia, uma possível capa do novo disco Born This Way, junto com o novo single Judas:

Caso não tenha ficado óbvia a mensagem, aí vão duas dicas:

Como diz a Soninha, “Coincidência?” 

Sem apelar para o velho e morto salvacionismo do Rock (salvar de quem?), mas nos cabe agradecer a ela pela visibilidade dada a grandes nomes da historia do hard/metal, artistas nada obvios e relembrados por quem mal deveria conhecer, quanto mais expo-los a um publico que provavelmente nunca ouviu falar deles.  Não consigo me lembrar de algo parecido. Teve a Miley Cyrus usando camiseta do Iron ( e afirmando não ser “poser”) regravando Poison e cantando com a Joan Jett no programa  da Oprah, mas nessa escala, e com essa frequencia, é algo que não tem registro recente. Dentro do próprio Rock’n Roll, diga-se de passagem.


We Want the Airwaves!

Vou ter que ampliar a capacidade do meu computador. As quase 24 mil músicas estão começando a pesar.

Mas é inevitável querer cada vez mais discos e discos de bandas que quero conhecer, entender qual é a delas, e posso tê-los em 5 minutos! A tentação se explica por anos de sofrimento, sendo refém de rádios que não ofereciam grande variedade no repertório executado. Os programas segmentados da MTV (fúria, lado B) ajudavam muito, porém já não existem.

E agora que posso montar a minha rádio, não vou parar. Sem essa facilidade toda, teríamos eu e minha senhora nos tornado fãs de Bruce Springsteen? Escutaria em algum lugar a linda e fofa Hasta Hoy do Miranda? ALguma rádio tocaria Friends in Low Places¹ do Garth Brooks? Duvido. Tantos clássicos que dos quais fui privado por muito tempo agora são a minha trilha sonora desse mundo doido. A internet de banda larga é, então,  o meu grito de libertação rumo ao paraíso de hinos não descobertos contra o jabá da maldade.

Nessa hora vê-se que essa historia de uma geração achar a próxima mais frouxa tem sua razão de ser. Joey Ramone, vocalista dos Ramones que foi fazer turnê no Nosso Lar há 10 anos, sofria com esse aprisionamento a que os fanáticos por música estão sujeitos. Inclusive, em uma de suas passagens por São Paulo, ele foi convidado pelo pessoa do Garagem, programa da antiga radio Brasil 2000, para discotecar e falar sobre suas preferencias musicais. Quando foram buscá-lo no falecido Hotel Hilton, ali no centro da cidade, ele estava esperando ser buscado com uma pilha de discos no colo. O que era para ser meia hora se tornou em um programa de 6 horas de duração, com Joey discorrendo sobre música e passagens históricas da vida dessa lenda da música popular mundial.

Ele não teve tempo para se acostumar com essa história de conexão de banda larga.  Mas na letra de We Want de Airwaves² ele manifestou a sua forma de libertação, beeem diferente de simplesmente roubar músicas:

“Mr. Programmer
I got my hammer
And I’m gonna
Smash my Radio”

Punk’s not dead!

¹ essa eu tinha posto no youtube, mas a gravadora deu toque pra direção do site que me convenceu que era melhor não fazer isso. Sou sensível a ameaça de sanções via judiciário.

² foi dessa música que saiu o riff de Fear of The Dark do Iron Maiden. Certeza.


Não precisa agradecer

Vou dividir com vocês um dos inúmeros resultados de pesquisas musicais no mundo virtual. A junção de Google com youtube permitiu o resgate desse quase-hit de 1996. Se você assistia planeta xuxa ou ouvia transamérica (100,1 fm) deve se lembrar desta música (que cita o Brasil no letra, diga-se):


Desafetos

Ontem o Sepultura cruzou meu caminho pela… sei lá, novamente.  Não é um bom relacionamento o nosso, eu definitivamente não gosto de thrash metal e, como eles quiseram demonstrar, não dão a mínima por mim também. Explico.

A gente se encontrou algumas vezes nessa vida atribulada de shows: com o Metallica em 1999 e 2010 (só no primeiro dia, no segundo chegamos atrasados eu e minha senhora), Live’n’Louder 2006 e por aí vai. Chances houve, muitas, para ao menos uma vez, uminha só eles tocarem ATTITUDE, a melhor música da banda, uma aula destruidora de bateria por parte do Igor Cavalera, ou seja, seria uma oportunidade de gala para deixarmos nossas desavenças de lado.

Minhas esperanças ontem, na forma de apostas, eram bem altas: veria pela primeira vez Max Cavalera, seria a volta dele a São Paulo depois de aproximadamente 14 anos. Desta vez com o Cavalera Conspiracy, (excelente nome de banda, diga-se de passagem), que conta com o professor Igor na bateria. Professor não; nem ele pode ensinar a alguém a tocar com… qual palavra caberia aqui em português? “Vontade” não dá conta da forma como ele toca; guts ou ganas são melhores. Podem ficar com quaisquer das opções, ou use todas, a explicação de como ele faz o que faz com a bateria continuará incompleta.

Continuando, a presença de Igor e Max, que quando deixou o Sepultura fez a MTV transmitir o clipe da referida música umas 15 vezes por dia, tornaria esotérica a oportunidade de escutar o clássico. Eles a tocaram no SWU, mas quando lá cheguei o show já havia acabado.

Todas as expectativas foram cruelmente abatidas na noite do dia 26 de março no Estádio do Morumbi. Ficam a inimizade e o mal dizer, pelo menos até o próximo indesejado encontro, em que a já manifesta vontade de gritar Can you take it? será a minha parte de boa vontade na tentativa de conciliação.

Até lá, bora botar o clipe pra rodar e sair pulando e gritando pela sala:


Houaiss

Relacionamento s.m. 1 encrenca 2 doença masculina degenerativa corrosiva das bolas do saco.


O Egito não é aqui! O Egito será aqui!

Mesmo com os ataques à imprensa, os eventuais confrontos e todo o desconforto que uma revolução popular envolvendo milhões de pessoas pode provocar, não deixa de causar inveja a situação do Egito. Ver o povo derrubando uma ditadura apoiada pelos Estados Unidos de forma pacífica, mesmo com o Mubarak inviabilizando comunicação e transporte, não deixa de ser um alívio, um lembrete de que a rebeldia ainda tem espaço nesse mundo. Estou falando de contestação genuína, não ONGuices de pendurar pano preto na janela.

Esse momento histórico já resultou em um impacto na pessoa aqui. Penso: quando isso vai acontecer em São Paulo? Motivos para tanto não faltam, mas a única maneira de juntar milhares de pessoas revoltadas aqui é esperar que elas estejam em algum carro, ônibus, metrô ou trem entre as 18:00 e as 20:00 horas de segunda a sexta-feira. De preferência, com chuva.

Mas a tendência conciliadora brasileira do tipo deixa-pra-lá e o ativismo frouxo que a internet permite (tipo encaminhar um e-mail sobre o Sarney ou sobre as místicas ligações do PT com o PCC, Al Qaeda, Farc, Yakusa, entre outros, e já está tudo certo, o indivíduo já cumpriu seu papel de cidadão honesto e chega, política não se discute) fazem com que a incompetência nade de costas na cidade mais rica do país. A falta de expansão significativa no metrô desde 1991 (inauguração da linha verde; a lilás não conta: uma linha que faz com que quem mora no Capão Redondo passe primeiro por Osasco se quiser ir pra Sé de metrô não merece ser levada a sério) e a paralisação da construção de corredores de ônibus (cinco prometidos para 2007 não entregues até agora) engendram o trânsito descomunal que já vitimou a sanidade paulistana. Pois já faz parte da crença local que:

1)       O trânsito é normal, ele existe como existem as forças da Natureza;

2)      O item anterior tanto é verdade que ele é feito de chuva. Ela é uma garantia de tempo maior de percurso. Já faz parte da explicação de atrasos e conversas afins como: “choveu, por isso demorei – ao invés de “levei’- cinco horas pra percorrer dez quilômetros”.

Pra melhorar a situação, ainda está em andamento o plano de Vias Expressas da prefeitura de São Paulo, que consiste em continuar a ignorar o transporte público e permitir que o trânsito se espalhe por novos anéis viários e avenidas alargadas. Não vou mencionar ou levantar suspeita sobre a combinação governo, empreiteiras e corrupção. Nem falar nada sobre o Kassab, que é do DEM (do Arruda, quase vice do Serra) e teve o patrimônio multiplicado por três enquanto era secretário do Pitta. O que realmente importa é que tudo caminha para que nós paulistanos continuemos a nos aglomerar cada vez mais nos espaços públicos da cidade em horários em que a paciência foi embora por falta de espaço.

Quem sabe nessa hora em algum metrô alguém grite “Egito!” dá-se o início do levante? Já pensou, a morte do mito nascendo durante seu próprio culto?

É aguardar pra ver.

 


George Jean Nathan

“Bebo para tornar os outros interessantes”


Oscar Wilde (para não atrasar mais)

Sem tempo para escrever nesta semana de volta ao trabalho. Vou postar então um dos meus contos favoritos, O Semeador do Bem (The Doer of Good) do. É tão curto quanto genial.

 

Era noite e Ele estava só.
Lobrigou, à distância, as muralhas de uma grande cidade e para ela se dirigiu. E, quando se aproximou, ouviu o tropel de folguedos, o alarido da alegria e o ruído ensurdecedor de muitos alaúdes.
Ele bateu no portão e os guardas abriram-lho.

E Ele viu uma casa de mármore, com belas colunas de mármore à sua frente.
Ele entrou na casa e cruzou o vestíbulo de calcedônias e atingiu o salão de festins.
E viu, estendido sobre um leito de púrpura marinha, um homem cujos cabelos estavam coroados de rosas vermelhas e os lábios rubros manchados de vinho.
E Ele aproximou-se do homem, por detrás, tocou-lhe as costas, dizendo-lhe:
– Por que vives assim?
O homem, voltando-se, reconheceu-o e respondeu-lhe:
– Eu era leproso e tu me curaste. Como iria viver?
Ele deixou a casa e voltou à rua. Pouco depois, viu uma mulher cujo rosto e trajes eram coloridos e cujos pés estavam recamados de pérolas. Atrás dela, cauteloso como um caçador, caminhava um jovem usando túnica de duas cores. O rosto da mulher era tão belo quanto o rosto de um ídolo e os olhos do jovem faiscavam de sensualidade.
Ele seguiu o jovem e tocando-lhe na mão indagou:
– Por que olhas para essa mulher de tal maneira?
O jovem, voltando-se, reconheceu-o e retrucou-lhe:
– Eu era cego e tu me restituiste a vista. A quem mais eu poderia olhar?
Ele correu para adiante e, tocando no vestido colorido da mulher, perguntou-lhe:
– Não há outro caminho para trilhares que não seja o do pecado?
A mulher voltou-se e, reconhecendo-o, replicou-lhe:
– Tu perdoastes meus pecados e este é um caminho agradável.
Ele, então, afastou-se da cidade. E, quando a deixava, deparou-se-lhe, à beira da estrada, um homem a chorar. Ele apiedou-se do homem e, tocando nos seus cabelos, perguntou-lhe:
– Por que choras?
O homem ergue os olhos e, reconhecendo-o, respondeu-lhe:
– Eu estava morto e tu me ressuscitaste. Que farei agora senão chorar?

 

 


Fim de férias

“Na segunda-feira, parte da família foi para seus respectivos empregos e ocupações, já que é preciso morrer de alguma coisa”

(Julio Cortazar, Simulacros – Historias de Cronópios e de famas)


Redação sobre as minhas férias.

Ainda bem que não estou na escola. Se tivesse que fazer aquelas redações contando sobre como foram as férias, provavelmente deixaria preocupada a professora Marlene (2ª série) ou a professora Edilene (8ª) dizendo que o grande acontecimento, em pleno verão, com direito a Natal e Ano Novo, foi me interessar pelas teorias de um psiquiatra. Apesar de aparecer todos os dias em programas matinais, José Ângelo Gaiarsa ficou mais conhecido suas posições firmes e polêmicas sobre o sexo, funcionamento do corpo e a parte que mais me interessou – família.

Durante cinqüenta anos, Gaiarsa “clinicou”, ou seja, atendeu pacientes como analista. Concluiu que:

1)       a “aparente” liberdade sexual do nosso tempo não foi uma conquista das pessoas por elas lidarem melhor com seu corpo ou com o que querem fazer com ele, mas uma concessão externa, que combinou pílula anticoncepcional (mulher pode ter mais parceiros com menos risco), AIDS (o governo teve que ensinar na TV como se usava camisinha, expondo em horário nobre um simulador de pênis; eu lembro desses comerciais, da polêmica sobre o uso do nome “Bráulio”, lembram?) e os estimulantes sexuais e suas vendas em larga escala. O Gaiarsa dizia que o homem vai para a cama com os amigos ao lado dizendo “quero ver se você faz o que fala mesmo hein?” e a mulher vai com a mãe, que diz “quero só ver o que você vai aprontar, o quanto vai me envergonhar”. Não houve um preparo à altura por parte do indivíduo, ele não tem noção real de suas preferências e permanece preso às convenções sociais, ao que foi estabelecido pelas médias (duração de transa, freqüência, quantidade de orgasmos, etc.).

 

2)      Diz o psiquiatra que durante os cinqüenta anos os pacientes começavam com a mesma conversa: “Doutor, a minha mãe…”, “É que a minha filha…”, “O meu pai, doutor…”, por aí vai. A família sempre apareceu em algum ponto das reclamações dos enfermos. Ainda assim dizem que ela é sagrada? Ela tornou-se um cenário onde a permissividade em relação à grosseria, maus tratos ou violência é tolerada, por estarem entre parentes. Isso nos mais variados níveis: o irmão que manda a irmã calar a boca por qualquer coisa, ela, que chama ele de burro, a filha que grita com a mãe, a mãe que fala pra filha ficar quieta por ser essa filha e aquela mãe, ou seja, pode mais. Meu pai já dizia em situações como essas: “todo mundo é pior em casa”. Uma das possíveis causas seria a frustração pelo fato dos integrantes não conseguirem atender à expectativa coletiva dos seus respectivos papéis: a mãe que não consegue ser infalível ou santa, o pai que não sustenta a família, a filha que não segue o que a mãe diz, o filho que contraria o pai, etc.. E ainda temos as complicações da vida externa à porta da casa a contribuir para tal clima explosivo; temos aí a receita da tragédia.

Foi impossível não me identificar com essa parte do discurso do Gaiarsa e não identificar casos próximos, em que tanto sofrimento surge justamente por não encontrar na instituição “família” tudo o que de bom, puro e amigável ela deveria nos fornecer de forma gratuita e desinteressada. Essa concepção foi a cereja desse bolo que será digerido ao longo do ano, enquanto mudo minha visão de mundo.

Ainda temos a crítica que ele faz de Freud, que evitava olhar para o paciente nas sessões, levando em conta apenas o que era dito. Tendo o cérebro dois terços de sua capacidade direcionada ao movimento, a expressão corporal não pode ser ignorada – deve ser levado em consideração o que se diz e, principalmente, como se diz. Muito próximo com a espinha dorsal da série Lie To Me, em que um especialista em leitura de expressões corporais (Cal Lightman) e sua equipe usam de tal artifício, de forma mais caricata,  para resolver o monte de problemas que aparecem ao longo da trama. Muito legal a série, diga-se de passagem.

Fica a dica então: pesquisem sobre a obra de José Ângelo Gaiarsa. Existem séries de vídeos dele no youtube, já separados por temas como sexo, cérebro, entre outros, que podem ser vistos em seqüência (de preferência) ou aleatoriamente.  Vale muito a pena, mas não é pra qualquer um.

 


Julio Cortazar

“…de todos os nossos sentimentos, o único que de fato não é nosso é a esperança. A esperança pertence a vida, é a própria vida se defendendo”.


Não tenho seda.

Sempre tive algumas convicções, polêmicas ou não, que acreditava serem bastante firmes. Não eram tanto: a vida sempre deu um jeito nelas  com correção, emenda, substituição ou até exclusão.

Mas teve uma posição que adotei que, posta a todas as provas, resiste até hoje: não fumar maconha.

O assunto teve início quando eu tinha uns 12 anos, nossos caminhos se cruzaram e tive que me posicionar. Disse não, foi fácil, a falta de simpatia por quem me ofereceu ajudou na negativa.

Veio então o Rock. Entre os shows e passeios na Galeria do Rock no centro da cidade, a oferta aumentou, o que aumentou o trabalho de não ceder às oportunidades. A maior delas ocorreu em 1998. O Raimundos, no final da turnê do Lapadas do Povo, tocou em um festival organizado por um deputado que tinha um vizinho meu como funcionário. Tive acesso ao camarim e em determinado momento banda, equipe e aleatórios sentaram-se em roda. Vendo minha hesitação, alguém disse: “Hora das crianças saírem”. Saí. Essa foto é desse dia:

eu, com 14 anos, e Rodolfo

Foi um bom treinamento, pois quando chegou a faculdade e lá a maconha só não é servida no refeitório… creio eu. Consegui não fumar e ainda por cima continuar não gostando de cerveja. E tendo amigos! Cadê a minha medalha?

O que me orientou em toda essa trajetória de negativas foi menos em razão da absoluta incapacidade para o vícios em substâncias em geral (não apenas drogas; comidas e bebidas alcoólicas também) do que por um resquício de bom-mocismo ou moralidade que sobrou em mim.  Não consigo compactuar em nenhum grau com tamanha “máquina de gastar gente”, como disse Darcy Ribeiro. Ele falou isso sobre o período colonial brasileiro; continua válida a comparação. Não deixa de ser um anacronismo com requintes de crueldade os aspectos que envolvem o tráfico de drogas.


A morte incomoda muita gente

Quando alguém falece, o epicentro da dor estará obviamente entre os íntimos de quem se foi. Porém isso não deixa de repercutir nas outras escalas de proximidade, positiva ou negativamente dependendo do extinto.  Vejamos o caso do Yuri como exemplo

Conheci o Yuri na faculdade, entramos no mesmo ano no curso de Ciências Sociais, 2006.  Não éramos íntimos, mas havia uma forte simpatia mútua, exercida dentro da sala em trabalhos de grupo, ou fora dela, perdendo aulas inteiras para falar sobre qualquer coisa.  Essa proximidade foi relembrada por minha senhora no sábado dia 08 de janeiro, em uma conversa que sondava o quão próximo ou distante estava eu de algumas pessoas, entre elas, ele. Enquanto respondia à pergunta, abria e lia a mensagem que recebi sobre seu falecimento. Ele tinha 22 anos.

Vem então esse estranhamento que a morte causa. Um mal estar que acaba com a falsa (ou temporária) esperança de que se pode viver à margem dos males irreversíveis do mundo, solapa essa simulação de uma era em que as pessoas que nos cercam podem aproveitar o corpo até dizer chega e contribuir para o aumento dos indicadores dos índices de expectativa de vida. É triste saber que esse direito não se estende a todos. A morte pune severamente a inocência.

Nesse clima, me pego pensando no assunto há uma semana e a conclusão é igual ao princípio: inconformidade. Começo em seguida a enumerar a fila que ele furou e nomear as pessoas que poderiam ter ido antes dele. Talvez a religião pudesse atenuar tais efeitos adversos e ajudar a entender esses golpes de palmatória que a vida nos dá. O problema é que hoje, 15 de janeiro, falta-me a religião e sobra ingenuidade.


Não é o que parece!

Ver filmes, principalmente no cinema,  é praticamente um vício, gosto mesmo. Mas, com tantas opções,  é necessário um critério na hora da escolha.  Eu tenho um método bem definido, que inclui três recomendações:

1) Ver o cartaz;

2) Dar uma olhada no elenco e país de origem da obra;

3) Evitar trailers;

e uma proibição:

3) Nunca, mas NUNCA ler a sinopse.

Ou seja, a eleição é no instinto. Tal método não tem registro significativo de falha; como exemplo me vem agora o Violência Gratuita – realmente acreditei que ele pudesse ser bom. O que acontece mais freqüentemente é ser positivamente diferente do que parecia ser, tanto por superar expectativa quanto pela história ser muito mais genial, bem feita, do que o pré-conceito indicava.

Como aconteceu de ambos os exemplos positivos ocorrerem três vezes nessa semana, resolvi não deixar passar. São eles:

Em DVD, temos

Faça o que eu digo, não faça o que eu faço

O elenco é praticamente a Seleção da Fifa : Stifler, do American Pie, McLovin’ do Superbad, Greg, do Todo Mundo Odeia o Chris e esse Paul Rudd, que fez o Eu te Amo Cara, filme que teve trechos exibidos no Estádio do Morumbi para 38mil pessoas – desconheço outras películas que tenham conseguido tal feito.

O resultado é um filme muito engraçado com trilha sonora inacreditável e  citações intelectuais de altíssimo nível.

Nos cinemas:

Amor por Contrato

olhe bem pro cartaz:

Caí nesse golpe. Esse cartaz induz qualquer um ao erro! Achou que era comédia romântica? Não é uma nem a outra, o óbvio passa longe daqui. O enredo pode levantar discussões interessantes sobre simulação e inveja, se você olhar bem através da questão do consumismo, latente desde o começo. Creio não ser à toa a cena de um incesto não consumado (envolvendo uma atriz homossexual na vida real) no início do filme.  Se fosse brasileiro, passaria no Belas Artes; se fosse francês, também e ainda teria camiseta sendo vendida na Rua Augusta.  Quem sabe assim teria o reconhecimento merecido?

Ah! Só está passando em cinco salas, isso até quinta, 13/01. Uma delas está no orgulho do Lauzane, Santana Parque Shopping. Venha conhecer você também!

72 horas

O Russel Crowe está na companhia de Leonardo de Caprio e Brad Pitt: se está no filme, não tem erro. O que fizeram de MUITO bom (Infiltrados, Bastardos Inglórios, Gladiador, e por aí vai) proíbe qualquer um de ao menos lembrar do que fizeram de vergonhoso.

Nesse caso, é um filme de ação criativo que faz você virar um(a) mergulhador(a), pois te faz parar de respirar por quase meia hora seguida; e a seqüência começa com uma prova de amor sem igual. Lembra muito os filmes do Sean Penn, mas sem final trágico-suicida-depressivo-que-raiva-da-vida. Amanhã vou ver de novo!

Esse está tranquilo, está em bastantes salas.

 

É isso cambada. Boa semana, até a próxima. E até sexta!


Sacuméné?

Não gosto de poesia.

Algumas pessoas estranham isso, principalmente quando ficam sabendo o quanto eu gosto de ler. O que fazer? É orgânica, instintiva minha alergia àquele monte de frases soltas na página, independentemente de haver rima ou não. Tem mais: livros de poesia vão de encontro à preocupação que atinge grande parte das pessoas civilizadas e conscientes: a preservação do meio ambiente. Pouca escrita, linhas incompletas, páginas subutilizadas, enfim, um latifúndio tipográfico.

O problema na verdade se chama verso. Entendam como ele age: leio o primeiro me preparando para o segundo, para ver se vejo alguma relação entre os dois; leio o segundo me esquecendo do primeiro. Volto ao início, passo pelo segundo novamente e, quando chego no terceiro, vão embora os dois versos anteriores, junto com a minha paciência e a compreensão daquela porcaria toda.

Mas eu tento vencer tal bloqueio; é necessário o contato com a matéria pois, já diz o Chris, sacuméné? E , pensem, o que é um homem que não domina seus instintos? Se a Natureza não me deu asas para voar, também ponho limites às suas ações – com parcimônia, claro, não quero confronto: retenho um tanto aqui, libero o acumulado ali… Sacuméné?

Como resultado dos meus esforços consegui, além de terminar de ler, gostar realmente de alguns poemas, que inclusive resistiram ao teste infalível desenvolvido por mim cuja finalidade está no próprio título: “ficaria melhor em prosa?” No primeiro dia do ano de 2011, compartilho com vocês um exemplo desses que me veio à mente hoje de manhã, Os Quatro Elementos de Vinícius de Moraes.

I – O FOGO

O sol, desrespeitoso do equinócio
Cobre o corpo da Amiga de desvelos
Amorena-lhe a tez, doura-lhe os pêlos
Enquanto ela, feliz, desfaz-se em ócio.

E ainda, ademais, deixa que a brisa roce
O seu rosto infantil e os seus cabelos
De modo que eu, por fim, vendo o negócio
Não me posso impedir de pôr-me em zelos.

E pego, encaro o Sol com ar de briga
Ao mesmo tempo que, num desafogo
Proibo-a formalmente que prossiga

Com aquele dúbio e perigoso jogo…
E para protegê-la, cubro a Amiga
Com a sombra espessa do meu corpo em fogo.

II – A TERRA

Um dia, estando nós em verdes prados
Eu e a Amada, a vagar, gozando a brisa
Ei-la que me detém nos meus agrados
E abaixa-se, e olha a terra, e a analisa

Com face cauta e olhos dissimulados
E, mais, me esquece; e, mais, se interioriza
Como se os beijos meus fossem mal dados
E a minha mão não fosse mais precisa.

Irritado, me afasto; mas a Amada
À minha zanga, meiga, me entretém
Com essa astúcia que o sexo lhe deu.

Mas eu que não sou bobo, digo nada…
Ah, é assim… (só penso) Muito bem:
Antes que a terra a coma, como eu.

III – O AR

Com mão contente a Amada abre a janela
Sequiosa de vento no seu rosto
E o vento, folgazão, entra disposto
A comprazer-se com a vontade dela.

Mas ao tocá-la e constatar que bela
E que macia, e o corpo que bem-posto
O vento, de repente, toma gosto
E por ali põe-se a brincar com ela.

Eu a princípio, não percebo nada…
Mas ao notar depois que a Amada tem
Um ar confuso e uma expressão corada

A cada vez que o velho vento vem
Eu o expulso dali, e levo a Amada:
– Também brinco de vento muito bem!

IV – A ÁGUA

A água banha a Amada com tão claros
Ruídos, morna de banhar a Amada
Que eu, todo ouvidos, ponho-me a sonhar
Os sons como se foram luz vibrada.

Mas são tais os cochichos e descaros
Que, por seu doce peso deslocada
Diz-lhe a água, que eu friamente encaro
Os fatos, e disponho-me à emboscada.

E aguardo a Amada. Quando sai, obrigo-a
A contar-me o que houve entre ela e a água:
– Ela que me confesse! Ela que diga!

E assim arrasto-a à câmara contígua
Confusa de pensar, na sua mágoa
Que não sei como a água é minha amiga.

 

Bom jeito de começar o ano!


então foi Natal